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- 24 de março de 2024
Caminho perigoso
Curitiba enfrenta muitos desafios, vários deles agravados pelas administrações elitistas e supérfluas que têm se sucedido, quase sem solução de continuidade, no Palácio 29 de Março, nas últimas décadas.
Um dos mais graves dentre eles é constituído pelo perigosíssimo caminho que está sendo percorrido pela nossa Guarda Municipal.
São necessárias medidas urgentes, de natureza cultural e estrutural, no sentido de revertê-lo.
Como todas as corporações armadas do Brasil, nossa Guarda afastou-se por completo da noção de ser, fundamentalmente, uma instituição formada pela sociedade com o fim de protegê-la de situações causadas por indivíduos ou grupos inconformados com o pacto social sem o qual seria impossível vivermos em grupo.
Há várias razões para isso. Quero deter-me em duas das principais. A primeira é o stress. Todo agente da lei exerce a profissão mais estressante que existe. Ele está exposto, inevitavelmente, a dois tipos de stress. Um é permanente, incessante, onipresente, porque, no trabalho, ele expõe sua própria vida todos os dias.
O outro decorre do fato de que o agente da lei possui o monopólio do uso legal da força, cujo exercício frequentemente o coloca em situações limite de enfrentamento.
Nestes momentos, o nível de stress tende a explodir; mas, mesmo assim, é preciso agir com frieza, cálculo e ponderação.
Convenhamos que isso é bastante difícil. E passará a simplesmente impossível se a pessoa, o ser humano, o trabalhador, que habita o corpo desse agente da lei, ainda acumular stress em sua vida pessoal.
Não é de espantar, portanto, que o índice de suicídios entre estes profissionais, seja muito superior ao da média geral.
Cabe ao Estado, que é o agente da sociedade que instituiu a corporação à qual ele pertence, zelar para que sua vida pessoal seja o menos estressante possível. Afinal, além de tudo, ele carrega uma arma de fogo, o que torna toda a situação ainda mais delicada.
Importante lembrar, neste passo, também, que, por sua própria natureza, a atividade policial é talvez a que recebe a maior cobrança por parte da sociedade e, portanto, do próprio Estado, quanto à sua atuação e desempenho.
Resulta ser uma questão de simples bom senso deduzir que só é possível cobrar deveres quando se provê os direitos.
A responsabilidade do Município de Curitiba perante sua Guarda Municipal se materializaria através da valorização profissional e boas condições de trabalho. Remuneração e tratamento dignos, reconhecimento, equipamentos à altura e perspectiva de crescimento na carreira, são providências mínimas indispensáveis. Ao lado disso é fundamental uma assistência psicológica permanente e dotada de credibilidade indiscutível. Nada disso é feito.
O resultado está aí, à vista de todos. Uma corporação totalmente fora de controle, muito mais temida do que respeitada, pela população.
O segundo fator é cultural, e afeta todas as instituições brasileiras de natureza policial. O uso legal da força, que, como o próprio nome diz, está limitado e regulado pela lei, é confundido com a noção de estar acima dela.
A ordem social injusta, o sistema de dominação de classe e o racismo estrutural que imperam na vida brasileira, aliados à sensação de poder fornecida pelo uniforme, pela investidura e, principalmente, pela arma, fazem de nossos policiais obedientes serviçais das elites, no combate às populações pobres e vulneráveis, com especial vitimização dos homens negros periféricos das grandes cidades.
A reversão deste quadro, embora mais difícil e demorada, também está condicionada à melhora significativa das condições de vida e trabalho do homem policial.
Uma vez fornecidas a ele condições dignas, poderá ser dele exigida e cobrada uma atitude profissional condizente com os padrões civilizatórios que prevalecem em outras áreas da vida humana.
No ano passado, em um dos episódios do “Podcast “20 Minutos com Marcelo Jugend”, eu tive a oportunidade de entrevistar Rejane Soldani, presidente do Sindicato dos Guardas Municipais de Curitiba. Foi uma conversa bastante esclarecedora acerca de alguns dos pontos acima expostos. Assista a esta entrevista clicando AQUI.